Que há influência dos games na vida das pessoas, não há dúvidas! Até porque há muitos exemplos disso por aí, como é o caso de gente que vive repetindo o bordão “It’s me Mario”, querendo se referir a uma perda no dia a dia dizendo “Game Over“, decorando a casa com almofadas do Pacman, ou até mesmo encenando soltar um “Hadouken” no meio da rua (parece coisa de doido), e sendo assim, digo que, quem é gamer, e nunca passou por algo parecido, que atire a primeira pedra. Mas, não é bem sobre essa influência que irei tratar nesse post, e sim, outro prisma de influência sobre os desenhistas, e que lhes motivam inclusive em saber mais e mais sobre o universo gamer.
Quem é grande fã de games e ao mesmo tempo curte ilustração, provavelmente já se inspirou em algum título de game para realizar algum desenho de cunho pessoal ou profissional; ou até mesmo se aventurou em conhecer e compartilhar do universo criativo de ao menos alguns dos mais famosos designers de games do mundo, tais como: John Tobias, Keiji Inafune, Shigeru Miyamoto, Naoto Oshima, David Jaffe, Hironobu Sakaguchi, Hideo Kojima, entre outros. Ou até dos que fizeram ao menos alguns trabalhos de destaque, como é o caso de Ayami Kojima e Takeshi Obata. Essa busca é até uma curiosidade comum, e que provavelmente nasceu após aquela incrível catarse que os grandes títulos de games tendem a causar em seus admiradores, levando-os ao desejo de saber como seus games preferidos foram feitos.
Sim, ilustrador que é ilustrador, sabe que muitas vezes os designers trabalham a gênese dos jogos com bastante profundidade, pois são mega projetos, principalmente hoje, onde a indústria dos games atinge praticamente todas as idades, e faturando mais que a indústria do cinema e música juntos. Para se ter uma ideia, só em 2016 ela faturou, no mundo todo, US$ 91 bilhões, segundo um levantamento da Superdata Research. Sendo assim, nesta busca por tentarem fazer um trabalho bem feito, os designers reúnem desde elementos simples aos mais complexos para alcançar sucesso com os jogos, e que acredito ser não só pensando na viabilidade comercial e funcional, mas também por uma intenção pessoal em realizar seus anseios criativos.
Pesquisa e análise
Lembro muito bem, quando há mais de uma década, passou na TV um pequeno making of de Donkey Kong Country do console SNES, onde os criadores falavam do início de desenvolvimento do jogo, que sempre se começa com desenhos conceituais, esboços e tintas. Eles revelaram ter ido ao zoológico de Twycross para observar e estudar os gorilas. Assim eles criaram diferentes versões animadas de como o personagem Donkey Kong, podia se mover, e baseadas nos movimentos dos gorilas; porém, logo notaram que o movimento era completamente inadequado para um videogame, que era mais acelerado, e por isso toda a animação teve que ser adaptada, e, por incrível que pareça, as animações de Donkey Kong e Diddy Kong acabaram sendo baseadas no galope de cavalos.
E são desafios como esses que muitos de nós ilustradores temos que travar, o que varia apenas é a finalidade (animação, desenho, modelagem 3D, etc.), mas sempre querendo pesquisar melhores referências e analisa-las, visando fazer o melhor trabalho possível. E dentre estes desafios de ilustração, podemos citar tarefas específicas, como: estudar e adaptar o visual de um animal para um determinado estilo de desenho (cartum, mangá, realista, entre outros); entender o modo que uma criatura real se expressa ao caminhar, para posteriormente representar isso; pesquisar e analisar as principais características anatômicas de animais, pelas quais os personagens são baseados; encontrar o figurino mais adequado ao personagem a ser representado; entre muitos outros desafios.
Nos melhores cursos de desenho/ilustração, os professores aconselham aos alunos de que a melhor referência de estudo são os modelos reais, superiores aos desenhos, pois são a fonte primordial; uma informação que nem todos alunos dão tanta importância, e, ter conferido esta informação no making of de DK, me motivou a valorizar mais ainda as fontes reais, principalmente o que está por trás da forma, e que caracteriza a alma do personagem. Mas, como diz o ditado “santo de casa não faz milagre”, conferir exemplos externos e marcantes de nossos ídolos criadores, sobre um determinado princípio e conhecimento, faz com que valorizemos ainda mais o que nos foi transmitido.
Criatividade
Na história de certos games, houveram medidas simples, mas criativas, e que muitas vezes resolveram grandes problemas referentes a falta de recursos, e que ainda servem de inspiração para nós ilustradores na solução de problemas. Você já pensou, por exemplo, o motivo de Mario (do 8 bits) ter um bigodão e usar boné? Como o game possuía um gráfico limitado, Shigeru Miyamoto, o designer do game, utilizou estes dois elementos, como recurso técnico, para assim simplificar a cabeça do personagem e distingui-lo melhor.
Quem trabalha com pixel art, por exemplo, sabe como é difícil desenhar com poucos pixels, até porque dependendo do tamanho, há detalhes que não podem ser bem representados como algo distinto ou significativo.
Na época do Atari 8 bits (final da década de 1970), os recursos técnicos eram ainda mais escassos, e, sendo assim, a criatividade dos programadores e designers era tudo; mas mesmo assim ainda tinha jogador que ficava limitado a acreditar que os personagens não passavam de amebas ambulantes. Ou seja, esse esforço criativo era realmente imprescindível.
“A filosofia da Nintendo é nunca ir pelo caminho mais fácil, sempre desafiar a nós mesmos e tentar fazer algo novo.”
Shigeru Miyamoto
Motivação e paciência
Os games são uma inesgotável fonte de inspiração, e bastante motivadores, um combustível que inclusive leva certas pessoas a realizarem feitos que a maioria das pessoas não teriam tanta dedicação em realizar; como é o caso do programador Kjetil Nordin, que aprendeu crochê só para ter um tapete com o mapa do “Super Mario Bros 3”, uma motivação que o levou a gastar nada mais que 6 anos para realizar o feito.
Fiquei pensando aqui… Acho que eu não teria coragem de pisar num negócio desses…
Outro caso é a animação épica sobre games de plataforma 2D, 孔明の罠 – Kaizo Trap, postada no Youtube, e que provavelmente é um acumulado de experiências vividas por seus próprios criadores ilustradores, do canal Guy Collins Animation; afinal, mesmo que o estilo de desenho utilizado na animação não seja o mais admirável, conseguiram ser minuciosos ao captar e utilizar elementos chaves que geralmente nos impactam nesses tipos de games; tanto que, para os fãs do 2D que assistirem o vídeo, a identificação será iminente, haja vista, que nos despertem memórias físicas e psicológicas, uma verdadeira experiência nostálgica!
Se você assistir o quão complexo é esta animação, vai poder imaginar o quão trabalhoso foi em fazê-la. Portanto, acesse o canal deles e dê uma conferida!
Paixão
Em três ocasiões, em 2013, eu resolvi promover concursos de desenho aqui no desenhoonline.com, onde o objetivo era os participantes fazerem uma releitura de personagens de games famosos.
Na primeira vez o tema, foi o Mário, o segundo Sonic, e por último o Megaman. Tivemos participações desde iniciantes até profissionais, uma turma que com certeza nos revelou grandes talentos, muita criatividade e principalmente paixão pelos games; fato facilmente comprovado pela grande adesão de participantes e dedicação com as ilustrações. Abaixo você confere algumas das obras finalistas das duas primeiras edições dos concursos.
Carreira dos sonhos
No final de 2015 passei por uma experiência que reforçou uma visão que tinha sobre a preferência de atuação profissional dos ilustradores. Foi quando comecei a divulgar em meu blog, vagas para ilustradores. Nos posts onde divulgamos vagas para ilustradores em empresas de games, eles foram os mais visitados, tendo um, por exemplo, que obtivemos 840% mais visitas únicas, do que a média diária do blog. Choveu gente comentando, e chegando a mais de 53 mil curtidas no post. Alguns até confundiam e nos enviavam seus portfólios; mas, enfim, foi uma demonstração de que o coração gamer dos ilustradores bate mais forte do que imaginávamos.
Desenvolvimento de mercado
Devido ao alto crescimento dos jogos eletrônicos, há, inclusive, gente que se influenciou e resolveu se tornar um ilustrador para trabalhar nesse mercado, principalmente agora, que estão surgindo diversos cursos de game design no Brasil, resultado de investidores e empreendedores que tem observado um crescimento sem precedentes dessa tendência de mercado. E segundo a Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitais, a Abragames, em apenas oito anos, o número de empresas desenvolvedoras de games aumentou quase 600%. Um dado importante para os ilustradores que pretendem se aventurar nessa área.
E para ajudar na formação dessa turma, há inclusive, cursos acadêmicos e técnicos, como é o caso do Técnico em Programação de Jogos Digitais, oferecido pelo SENAI. Se tiver interesse, e der uma procurada, pode ser que encontre alguma vaga em sua região.
No que se refere à criação de games, já se tem até aplicativos para dispositivos móveis e softwares de desktop, que estão sendo criados para complementar e atender essa demanda, coisa fácil de encontrar em qualquer busca orgânica pela internet, e muitos até gratuitos.
Pensa que não tem procura de mão de obra para este mercado? Não se engane, as próprias produtoras de games de diversos lugares do mundo, tem oferecido vagas de emprego, seja para os diversos cargos relacionados a criação de games, como também para ilustradores, designers gráficos, animadores, entre outros cargos. A grande questão é: os ilustradores estão preparados? É aí que entra a importância da qualificação em cursos específicos deste mercado.
“Existe a possibilidade de que o jogos de dispositivos móveis matem os jogos de console. Estou falando de uma redução significante de participação no mercado de forma definitiva.”
Ben Cousins, antigo gerente geral da Ngmoco.
Eu penso que de forma geral, um bom game, quando se alinha com o gosto pessoal do jogador, exerce um poder enorme para transportá-lo para dentro de um prazeroso mundo de fantasia, principalmente porque sua psique se entrega ao jogo e lhe causa a sensação dele ser, ainda que por algum tempo, o protagonista daquela história. Como há muito sentimento, paixão, emoção, e instinto estimulados; desencadeados através de uma engenhosa, artística e estratégica sedução dos games sobre os sentidos humanos, tais como: interação humana com o console (tato); efeitos e trilhas sonoras marcantes (audição); artes cada vez mais encantadoras (visão); acabam que gerando catarses e impressões bastante fortes, e até inesquecíveis. E como diz a psicologia tradicional, quanto mais rica a nossa interação pelos sentidos, mais e melhores memórias teremos daquilo que estamos nos relacionando, e sendo assim, esses diferentes tipos de impressões, tornam os games cada vez mais apaixonantes, e consequentemente tão rentáveis.
Mas, enfim, que os games influenciam os desenhistas, não há dúvidas, até porque através deles que muitos se divertem, se inspiram para desenhar, se qualificam como pessoas e profissionais ou até mesmo ganham a vida fazendo o que amam. Jogar é bom, mas é uma paixão que não pára por aí…