Depois que um desenho feito por inteligência artificial ganhou um concurso de arte, milhares de artistas se revoltaram e começaram a levantar uma discussão envolvendo o futuro dos artistas, e fazendo reascender uma nova questão… Afinal, a carreira dos artistas está ameaçada pela IA?
Aparentemente tudo começou quando um designer de games chamado Jason Allen, de 39 anos, se inscreveu em um concurso de arte digital, usando uma arte intitulada como “Théâtre D’opéra Spatial”, feita com inteligência artificial, na plataforma Midjourney. Para quem não sabe esta plataforma de IA cria uma arte por um processo chamado “difusão”, e tudo o que o usuário precisa é descrever brevemente o desenho que precisa, para que a plataforma crie um desenho personalizado em poucos minutos, ou segundos. E não pense que o resultado é qualquer coisa, o bot pode criar artes tão boas ou até melhores que as realizadas pelos ilustradores profissionais atuais. Acontece é que a arte que Jason inscreveu no concurso recebeu o primeiro lugar, e com isso incomodou milhares de artistas por todo o mundo, sobre a possibilidade desta tecnologia de IA substituir o trabalho dos artistas, inclusive a ponto de vencer um concurso.
Mas a polêmica não para por aí, ela é forte entre os fãs de anime e mangá, dos quais são os que mais reclamaram desse tipo de tecnologia, e inclusive postaram vários questionamentos desse tipo em comunidades, blogs e sites; dada a semelhança da arte de uma IA com outra feita por um artista real. Outro exemplo interessante desse tipo, é do ex-desenvolvedor de jogos francês, identificado como “5you”, que treinou uma IA para replicar o estilo do recentemente falecido desenhista Kim Jung Gi, usando apenas uma descrição e prompts de comando. E como foi compartilhada a ideia no Twitter, muitos outros usuários testaram e ficaram boquiabertos com tamanha semelhança entre os desenhos realizados pela IA e os desenhos de Kim.
O que é uma IA?
A sigla IA se refere a inteligência artificial, aquilo que imita a inteligência humana por meio de um sistema ou máquina. Mas também existem diferentes tipos de inteligência artificial, indo desde aquelas que são complexas e memorizam dados, limitadas à tarefas pela qual foram programadas (ANI); outras de machine learning, que imitam os humanos conforme interagem e armazenam associações por estímulos e respostas (AGI); e ainda uma terceira (ASI), que além de aprender por conta própria, pode executar tarefas complexas, praticamente impossíveis aos humanos.
E é claro que toda essa tecnologia já vem sendo usada há um bom tempo no mundo dos negócios, como é o caso de grandes empresas como Google, Amazon, Facebook, Apple e IBM, para a automação de seu atendimento, processamento de dados, aperfeiçoamento de dados e resultados, etc.
A IA é realmente uma ameaça?
Muitos que veem hoje em dia as máquinas facilitando o trabalho dos humanos, podem achar que tudo isso é uma conquista do nosso século. Mas, essa seria uma análise muito superficial, dado que tudo o que sabemos é fruto de um trabalho dos humanos que foi se agregando por milhares de anos, pois até mesmo o esforço de matemáticos, engenheiros, filósofos, cientistas, entre outras personalidades da antiguidade, fazem parte das maiores tecnologias usadas em computadores da atualidade; ou seja, há invenções que se dão pelo aprimoramento e uso de conhecimentos antigos, a depuração da lógica, o desenvolvimento de semicondutores, a ideia de combinar diferentes tecnologias, entre outros. Claro, alguns conhecimentos se perderam, outros foram intencionalmente destruídos, alguns descartados; mas, o fato é que não existe uma pessoa capaz de armazenar e fazer tudo o que temos de acesso e criar todos os processos de um computador para chegar numa IA, porque somos totalmente dependentes do trabalho e desenvolvimento de terceiros, desde o hardware ao software.
A intenção de evolução tecnológica, ainda que seja tecnicamente boa, não passa sempre por outros prismas de análise. Desde a ferramenta mais simples até a ferramenta mais robusta, como uma IA, são tecnologias que vem abrindo espaço em diferentes setores da vida, como: facilitar e acelerar o trabalho; divertir; reduzir erros; aumentar os lucros; entre outros benefícios. A questão é que a sociedade vem assumindo diferentes personalidades ao longo da história, inclusive por influências diversas geográficas, políticas, artísticas, etc.; e isso abre espaço para usos dessa tecnologia que vão da utilidade a uma paixão doentia. Assim temos usos dos mais diversos tipos, desde homens que se casam com uma boneca de IA, a até casos em que pessoas confundem a fantasia com a realidade, ou seja, uma relação tóxica de utilizar a tecnologia. E como nem tudo passa por setores que poderiam nos dizer como isso afeta nossa evolução como humanos, ou seja, por um estudo ou debate que nos faça tomar consciência de onde estamos pisando, a coisa vai se levando à mercê das circunstâncias, pois, se por um lado abre portas para o avanço tecnológico, também abre espaço para o desenvolvimento de problemas sérios que só lá na frente é que vamos nos dar conta.
Se você pensa que a IA pode ser uma ameaça exclusiva e invasiva no trabalho de artistas, saiba que ela pode substituir até mesmo determinados trabalhos de programadores, seja através de plataformas que criam programas à partir da descrição fornecida pelo usuário da ferramenta, com os prompts de comando, mas também porque há empresários investindo pesado nisso para uso e benefício próprio. Basta olhar os noticiários, e a nossa volta para perceber que há uma revolução em diversos setores. O Metaverso está para aí para mostrar que mesmo sendo uma novidade, já vem levantando polêmicas com relação a distorção da realidade, desenvolvimento de vícios, etc. Uma vez criado e popularizado, estaremos passíveis de aceitar um padrão ditado por uma grande empresa, ou seja, a mercê de um possível controle.
Para pensar…
Se chegamos em um ponto que o questionamento se tornou um incômodo real, e não mais um trivial papo de ficção científica, é sinal que estamos mais próximos de novos questionamentos, dado que o acesso a estas tecnologias de forma fácil, massiva, tende a mudar o comportamento da sociedade de uma forma muito rápida. E nem precisa ser muito informado para saber que nos últimos anos esse avanço tende a ser acelerado, pois, até mesmo os aparelhos que usamos, são trocados com cada vez mais velocidade e com recursos novos que antes levava ainda mais tempo para surgir no mercado. E se novidades que geram facilidades aparecem no mercado antes mesmo de existir um debate sobre isso, a tendência é que as pessoas busquem usufruir ao máximo destas facilidades sem levar em conta os questionamentos pertinentes aos artistas e as consequências que a IA pode desembocar, porque não são todos que questionam, a maioria só quer aproveitar, e consequentemente se dita uma moda.
O que assusta é que todo esse avanço vai dando saltos, pois aquilo que antes demorava vários anos para desenvolver, agora ocorre em um tempo cada vez mais curto, ou seja, há uma evolução exponencialmente assustadora. Isso deixa evidente que a tecnologia, ainda que seja fundamental no progresso humano, começa a pressionar o comportamento das pessoas, porque demanda ajustes que não estão sendo feitos de forma justa, sem um debate, e forçando as pessoas a aceitarem-na a ferro e fogo. Ninguém consegue frear esse crescimento porque as pessoas são viciadas em tecnologia. Afinal, quem não quer conforto e facilidades? O problema é que se outorgamos quase todas nossas responsabilidades para uma outra máquina, a falta de estímulo em nós pode nos deixar débeis, até porque se somos também uma máquina, precisamos de estímulos para aprimorá-la e conservá-la. Muitas doenças se instalam porque subestimamos ou por ingenuidade ignoramos a importância de despertar nosso potencial humano, seja do corpo e de nossa inteligência.
Ao que tudo indica esse avanço assustador da IA no futuro será mais explorado por grandes empresários, bilionários, para enriquecimento ou controle, pois o domínio da informação e o estímulo a tarefas que tendem mais a viciar do que libertar as pessoas poderá ser uma tendência para condicioná-las ao que eles querem. O futuro já promete robôs para executar tarefas mais rapidamente, com menos erros e mão de obra humana cada vez mais restrita e barata, e não foi a toa que Elon Musk defendeu que no futuro seria necessário a criação de uma renda básica universal, porque muitas pessoas não conseguirão acompanhar o mercado de trabalho, até porque algumas profissões vão se extinguir ou se valer de uma tecnologia avançada incompatível com a realidade ou crença de um grupo de pessoas.
Claro que não são todas as pessoas que são assim, ou em todos os momentos, mas sem perceber estamos cada vez mais frios, viciados em redes sociais, voltando a atenção para vídeos curtos e deixando de lado a família, as tarefas, deixando de ver o mundo como uma criança que quer sempre aprender. Enfim, eu poderia dar muitos outros exemplos, mas o importante é ver que somos ricos de tecnologia, porém se esvaziando do nosso potencial, porque estamos nos entregando e servindo a uma ideia que é vendida, que é uma moda.
No mundo dos desenhistas a IA é apenas um passo a mais da tecnologia, pois no passado surgiram e ainda existem várias tecnologias para tentar melhorar sua forma de desenhar e acelerar processos de criação de desenhos. Já parou para pensar que um simples Photoshop emula um ateliê de arte? Pois é, ele serve o desenhista e facilita e muito a realização de artes, dispensando a aquisição de uma série de materiais, mas claro, ainda sim não abre mão de dominar as técnicas. Até aqui o ser humano não era descartado, mas sim os materiais, e por isso agora que começou a mexer com os brios do protagonista, o desenhista, começa a ser um incômodo.
Talvez agora seja o momento de levantar algumas questões… Afinal, estamos na arte somente pelo dinheiro? Se sim, poderíamos então usar e acompanhar essas tecnologias no futuro para acelerar o processo, e está tudo certo, porque o futuro das empresas competitivas será empurrar isso, para fazer as artes com cada vez mais velocidade e um custo benefício competitivo. Afinal, quem não quer facilidade?! No início do uso das mesas digitalizadoras muitos profissionais não quiseram abandonar o método tradicional, mas acabaram se rendendo, porque as empresas acabaram forçando, visando a facilidade e a redução de custos. Mas há questões que demandam uma ponderação, como é o caso da reclamação de artistas que alegam um uso ilegal de suas artes pela varredura que estas IA fazem na internet, o que por si só é uma forma de plágio. O exemplo citado anteriormente de Kim Jung Gi deixa bem claro que isso é complicado.
Agora, se estamos no desenho para desenvolvermos como artistas e colher os frutos desse aprendizado, na forma de aprimorar o uso de nossa capacidade, nosso potencial, talvez seja o momento de ver um ponto que está se perdendo no porquê desenhamos, pintamos, ilustramos como artistas; que tem a ver com a parte formativa da arte. Seja buscando ser mais criativos, disciplinados, pacientes, humildes, principalmente sendo pessoas melhores para criar historias melhores. Quando não vemos o ofício como arte, apelamos de outras formas tradicionais, com técnicas que passam por cima daquilo que geralmente deveríamos aprender.
Esse post é apenas a minha opinião, mas fico aberto a comentários e outros pontos de vista. Acredito que esse é um caminho sem volta, mas que vai levar cada um a seu modo. Creio que se for trilhado com ponderação e cada vez mais consciência, acredito sinceramente que podemos tirar uma boa experiência e melhor proveito da IA, conforme aquilo que está a nosso alcance.
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