A ilustração do Homem Vitruviano, é uma representação criada por Leonardo da Vinci, e frequentemente considerada como uma referência para os artistas das artes visuais, mas, por que será? É o que vamos tratar aqui.
O uso da figura do Homem Vitruviano em diferentes aplicações da atualidade, tem sido feito de uma maneira tão abrangente que por si só já denota que há algo além de uma aparente figura de um homem. Vemos seu uso tanto impresso no CD do “Van Halen”, do álbum “Balance”, quanto em conteúdos nobres de filosofia. E do ponto de vista criativo ou cômico, temos até uma série de releituras desse clássico realizadas por diferentes artistas, fato que me motivou a criar um post onde apresento as múltiplas versões do homem vitruviano. Mas as referências e uso deste desenho ao longo da história, vão muito além.
Como o desenho de Leonardo nos remete ao óbvio, que é a figura de um homem, o leigo em arte e desenho geralmente não levanta mais questionamentos pelo fato de que seu significado mais raso foi decifrado. Alguns podem até questionar sobre o por que de algumas figuras geométricas sobrepostas e até mesmo textos; mas é aí que o assunto começa a ficar mais profundo, pois, ainda que não seja esse o motivo de tamanha inspiração, depende desse recurso para traduzir o que há por trás; assim como os membros superiores e inferiores em duas posições da figura, e suas linhas horizontais e verticais.
Antes de prosseguir, é preciso mencionar um detalhe importante. O desenho do Homem Vitruviano de Leonardo, encontrado em seu bloco de notas, não é baseado em suas próprias ideias, mas no conceito exposto na obra “Os dez livros da Arquitetura”, escrito pelo arquiteto romano Marcus Vitruvius Pollio; afinal, o homem descrito por Vitruvius apresenta-se como um modelo ideal para o ser humano, cujas proporções são perfeitas, segundo este ideal clássico de beleza. Seguindo essa premissa, o Homem Vitruviano interlaça a ciência e a arte num nível de seriedade tal, que a expressão pessoal do artista não é o foco, pois a prioridade é a ideia matemática por trás, que exprime valores estéticos perceptíveis direta ou indiretamente. Inclusive o tratado de Vitrúvio estava há muito tempo perdido, mas quando foi redescoberto no século XV por Poggio Bracciolini, passou a inspirar muitos artistas, tal como Francesco di Giorgio Martini, Giacomo Andrea, Cesare Cesariano, e o tão consagrado Leonardo da Vinci, pelo qual se firmou com mais afinco na história.
Mais do que a forma, o desenho de Leonardo se baseia em uma representação dotada de valores concisos com um padrão atemporal, tal como uma medida específica de proporção, uma constante algébrica irracional que está espalhada por todo o corpo humano, e principalmente em toda a natureza, conhecimento que foi objeto de estudo por diferentes filósofos gregos, conhecida como Número de Ouro. No desenho de Leonardo essas medidas de Vitrúvio foram obedecidas, e assim temos os seguintes padrões ideias:
- um palmo é o comprimento de quatro dedos;
- um pé é o comprimento de quatro palmos;
- um côvado é o comprimento de seis palmos;
- um passo são quatro côvados;
- a altura de um homem é quatro côvados;
- o comprimento dos braços abertos de um homem (envergadura dos braços) é igual à sua altura;
- a distância entre a linha de cabelo na testa e o fundo do queixo é um décimo da altura de um homem;
- a distância entre o topo da cabeça e o fundo do queixo é um oitavo da altura de um homem;
- a distância entre o fundo do pescoço e a linha de cabelo na testa é um sexto da altura de um homem;
- o comprimento máximo nos ombros é um quarto da altura de um homem;
- a distância entre a o meio do peito e o topo da cabeça é um quarto da altura de um homem;
- a distância entre o cotovelo e a ponta da mão é um quarto da altura de um homem;
- a distância entre o cotovelo e a axila é um oitavo da altura de um homem;
- o comprimento da mão é um décimo da altura de um homem;
- a distância entre o fundo do queixo e o nariz é um terço do comprimento do rosto;
- a distância entre a linha de cabelo na testa e as sobrancelhas é um terço do comprimento do rosto;
- o comprimento da orelha é um terço do da face;
- o comprimento do pé é um sexto da altura.
Não se sabe exatamente quem o tenha descoberto o Número de Ouro, mas se sabe que é um conhecimento utilizado há muito tempo, tal como fez o membro Hípaso, da escola pitagórica, ao estudar sobre a incomensurabilidade no triângulo retângulo isósceles; ou também por ter sido usado por Philídias ao construir o Parthenon em Atenas.
Matemáticos, engenheiros e filósofos que exploraram um pouco mais dos conhecimentos relacionados a proporção, encontrados na natureza, chegaram em diferentes abordagens, porém, direcionando o mesmo conhecimento a um denominador comum. Por exemplo, um matemático que estudou por outra vertente o mesmo conhecimento, foi Leonardo Fibonacci, ao observar o crescimento dos coelhos mês a mês, e ver que sequência de filhotes gerados era resultado da soma dos dois anteriores (1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, 377…).
O interessante é que se considerarmos a sequência de Leonardo Fibonacci, e dividirmos os números da sequência pelo anterior sucessivamente, veremos um número decimal definindo-se cada vez mais quando repetimos a operação. Os primeiros a definir são: 1,618; e conhecido como número “phi”.
Apesar de ser diferente do número pi, o numero phi possui uma semelhança com o primeiro, que é a sua sequência infinita. E aqui apresentamos um pouco de como ele vai se definindo seguindo uma escala de divisão.
1/1=1
2/1= 1,5
3/1= 3
5/3= 1,666666666666667
8/5= 1,6
13/8= 1,625
21/13= 1,615384615384615
34/21= 1,619047619047619
55/34= 1,617647058823529
89/55= 1,618181818181818
144/89= 1,617977528089888
233/144= 1,618055555555556
De qualquer modo, a fórmula do número de ouro (phi) é:
φ = (1 + √5) / 2.
Motivos que levaram o homem vitruviano a inspirar tanta gente
O desenho em si demonstra a ideia da proporção áurea e harmonia entre as partes do corpo humano. Essa proporção é considerada esteticamente agradável e foi historicamente buscada em várias formas de arte; portanto, para desenhistas, ela serve para se obter figuras mais atraentes e concisas, principalmente se a ideia é manter uma atratividade perene. As pinturas de Leonardo estão aí para provar isso, assim como as obras do Renascimento que refletem esse conhecimento e lembrança.
Este desenho também reflete o interesse de Leonardo pela anatomia humana. Saiba que na época em que foi criado, o estudo da anatomia estava ganhando destaque, e muitos artistas estavam interessados em representar com precisão o corpo humano; e porque não imitar o mestre Leonardo? Foi o que aconteceu em peso.
A figura desenhada por Leonardo está enraizada nos ideais clássicos da antiguidade grega e romana, onde a proporção e a simetria eram altamente valorizadas. Esses ideais clássicos influenciaram profundamente a arte ocidental.
O Homem Vitruviano é considerado um símbolo da Renascença, período de grande ressurgimento cultural e intelectual na Europa. Ele reflete a abordagem renascentista de combinar ciência, matemática e arte para criar uma compreensão mais profunda do mundo.
A imagem ilustra a interconexão entre arte e ciência. Ela destaca a crença de que a beleza e a proporção encontradas na arte podem ser explicadas e compreendidas através dos princípios científicos.
Passou a ser uma inspiração para Artistas, e serve como um guia para artistas que desejam criar figuras humanas realistas e bem proporcionadas. Ela oferece diretrizes visuais para ajudar a alcançar a representação precisa do corpo humano.
Sendo criada por Leonardo da Vinci, uma das figuras mais influentes e versáteis da história da arte, a autoria e renome de Leonardo passaram a contribuir e a dar importância duradoura ao Homem Vitruviano.
Em resumo, o Homem Vitruviano se tornou um cânone nas artes visuais por sua representação estética da proporção e da harmonia do corpo humano, sua conexão com os ideais clássicos, sua associação com a Renascença e sua capacidade de unir arte e ciência em uma única imagem.
Texto da imagem
O texto acima do desenho diz:
“Vitrúvio, o arquiteto, diz em sua obra arquitetônica que as medidas do homem estão na natureza distribuídas desta maneira, ou seja, 4 dedos formam uma palma, 4 palmas formam um pé, 6 palmas formam um côvado, 4 côvados formam um homem, 4 côvados formam um passo, 24 palmas formam um homem e essas medidas estão em seus edifícios. Se você abrir as pernas o suficiente para que sua cabeça fique abaixada em 1/14 de sua altura e levantar os braços o suficiente para que seus dedos estendidos toquem a linha do topo de sua cabeça, você saberá que o centro das extremidades dos membros abertos será o umbigo, e o espaço entre as pernas será um triângulo equilátero.”
O texto abaixo do desenho diz:
“O comprimento dos braços abertos é igual à altura do homem. Da linha do cabelo até a parte inferior do queixo é um décimo da altura do homem. De baixo do queixo até o topo da cabeça é um oitavo da altura do homem. De cima do peito até o topo da cabeça é um sexto da altura do homem. Acima do peito até a linha do cabelo é um sétimo da altura de um homem. Do peito à cabeça é um quarto da altura do homem. A largura máxima dos ombros contém um quarto do homem. Do cotovelo à ponta da mão é um quarto da altura de um homem; a distância do cotovelo à axila é um oitavo da altura do homem; o comprimento da mão é um décimo do homem. O membro viril está à meia altura do homem. O pé é um sétimo do homem. De baixo do pé até abaixo do joelho está um quarto do homem. Desde abaixo do joelho até a raiz do membro está um quarto do homem. As distâncias do queixo ao nariz e da linha do cabelo e das sobrancelhas são iguais às orelhas e a um terço do rosto.”